Alimentação e agricultura em uma sociedade urbanizada – perspectivas da Agricultura Urbana na região do M’Boi Mirim
Ninguém duvida que a produção de alimentos continua sendo um dos maiores desafios da nossa sociedade. Soluções sustentáveis para o combate à fome e a garantia de segurança alimentar deveriam estar à frente das prioridades da sociedade.
Tratar destes temas requer ir além da produção e distribuição: envolve analisar mais a fundo a origem da comida que vai para a mesa da população e também sua capacidade nutritiva. Além disso, estas demandas envolvem ainda a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente. Por fim, em uma cidade do porte de São Paulo, um dos principais desafios está o do transporte dos alimentos, o custo deste processo e a facilidade de acesso de alimentos nutritivos por parte da população.
O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional – SAN ajuda a pensar de que forma podemos equacionar estes desafios e pode servir de base para um planejamento urbano e regional de cidades mais verdes e sustentáveis. De acordo com a FAO (Food and Agriculture Organization - ONU), o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia de todos ao acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e com base em práticas alimentares saudáveis.
Segundo o Mapa da Fome da FAO, em 2017 815 milhões de pessoas não possuíam alimentos suficientes para sua própria alimentação. Estudos desenvolvidos por instituições que pesquisam alternativas para estes problemas têm demonstrado que a horticultura ajuda a emancipar os setores mais vulneráveis da população urbana e fortalece sua segurança alimentar e sua nutrição.
Outro problema associado à alimentação inadequada é o crescimento do número de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis pelo sobrepeso, obesidade e má alimentação em países diversos. Essas doenças também têm atingido crianças, e os índices de alimentação inadequada desse público têm aumentado por diferentes motivos relacionados aos hábitos cotidianos, ao acesso à informação, à disponibilidade de alimentos saudáveis e aos incentivos da indústria para a venda de alimentos ultraprocessados.
Um importante debate atual é a possibilidade de se considerar a agricultura urbana e o alimento como uma base para formas de pensar políticas sustentáveis urbanas. Essas iniciativas envolvem desde circuitos curtos de comercialização de alimentos, recuperação de solo e gestão das águas, propostas para evitar o desperdício de alimentos, gestão de resíduos sólidos, políticas de habitação, desenvolvimento urbano e saneamento ambiental.
As práticas da agricultura nas cidades envolvem o plantio, a produção e distribuição de alimentos nas cidades e em regiões no entorno destas, o cultivo de hortas, práticas de educação ambiental e orientação sobre alimentos saudáveis. A horticultura urbana pode ajudar a fornecer produtos frescos e nutritivos disponíveis o ano todo e a baixo custo, melhorando o acesso de famílias mais vulneráveis a estes alimentos.
Aliado a estas perspectivas, a própria prática da agricultura no meio urbano retoma um modo de vida mais integrado à natureza e discute modelos de produção, como a orgânica e a agroecológica, a articulação entre produtor e consumidor e a economia de proximidade. Este debate envolve alternativas de desenvolvimento local, lógicas diferentes de negócios e desafios para a transição para novos modelos de produção e consumo.
Perspectivas para São Paulo e o território do M’Boi Mirim
Em São Paulo a Agricultura Urbana vem se desenvolvendo de forma significativa especialmente nos últimos dez anos. Essa prática se insere em um movimento relevante que ocorre em diversos países e sempre esteve presente na cidade, ainda que pouco visível como tema público e de forma dispersa.
Consideramos que o planejamento e gestão do sistema de produção e distribuição de alimentos precisa criar soluções que considerem as realidades territoriais, para que se possa dar atenção à eficiência requerida e às demandas específicas de sustentabilidade, sociais e de preservação do meio ambiente.
Projetos neste sentido tem o desafio de incluir múltiplos atores, que atuam em campos diversos, e nem sempre com os mesmos interesses: produtores agrícolas de diferentes tamanhos, feiras, restaurantes, indústria processadora de alimentos, órgãos de controle e fiscalização, centrais de abastecimento e distribuição e outros órgãos do governo federal, estadual e municipal.
Em se tratando de políticas públicas, em 2004 criou-se o Programa de Agricultura Urbana do Município de São Paulo (PROAURP). Embora esse programa sempre tenha tido uma posição marginal nas prioridades do governo e tenha sido implementado de forma descontínua, desde 2012 o tema vem adquirindo maior destaque dentro do poder público local. Isso se dá devido a um conjunto de fatores: o fortalecimento das pressões políticas no poder legislativo e executivo em prol da Agricultura Urbana e orgânica; a intensificação de hortas comunitárias e projetos educativos na cidade; o crescimento da visibilidade e conscientização dos problemas ambientais e sociais relacionados à agricultura tradicional e a valorização da produção local e ecológica na cidade ou em áreas próximas a esta.
Em 2013 a prefeitura de São Paulo aderiu ao Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN através da criação da Lei no 15920/2013. O SISAN Nacional foi criado pela Lei Federal no 11.346, de 15 de setembro de 2006.
O município de São Paulo apresenta:
• Legalização da Agricultura Urbana em determinados espaços
• Inclusão da Agricultura Urbana no Plano de Segurança Alimentar Nutricional
• Inclusão da Agricultura Urbana no Plano de Urbanismo
• Comitê Intersetorial na área de Segurança Alimentar Nutricional
• Canais de participação através do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMUSAN-SP)
• Não apresenta orçamento público direcionado para Agricultura Urbana
Porém, apresenta falhas estruturais na oferta dos seguintes serviços:
• Acesso à terra
• Oferecimento de cursos técnicos
• Gestão de riscos
• Articulação entre compostagem e
• Assistência técnica
• Comercialização
Na pesquisa que estamos realizando no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo - CEAPG, da Fundação Getúlio Vargas, buscamos analisar as perspectivas da Agricultura Urbana e Periurbana para a redução de vulnerabilidades e sua contribuição como instrumento de educação para a saúde e educação ambiental.
Como resultado de pesquisa, percebemos também que a agricultura urbana é uma atividade diversa, podendo assumir diferentes feições em cada território de uma mesma cidade, conforme quadro abaixo. Ou seja, não há um padrão e a realidade e a própria sociedade é que cria estas relações.
A região do M’Boi Mirim apresenta diferentes tipos de iniciativas relacionadas à Agricultura Urbana: geração de renda em espaços institucionais ou em terrenos privados; atividade ecológica e transversal (saúde, educação, fortalecimento comunitário) e atividade educativa. O lista abaixo sintetiza esses aprendizados, que são resultado de uma pesquisa feita entre 2016 e 2018 pelos escritores deste texto.
Práticas relacionadas à Agricultura Urbana na região do M’Boi
Mirim:
- Preservação do meio ambiente: as atividades principais são ligadas à
educação ambiental e experiências de reutilização de resíduos;
- Educação: horta escolares para cultivo e atividades pedagógicas;
- Geração de Renda: para autoconsumo e fonte de renda;
- Saúde: plantio e comercialização de hortaliças, frutas e ervas a partir
da agricultura natural e atuação de agentes ambientais das UBS
- Fortalecimento comunitário: O próprio trabalho coletivo na produção
agrícola tem funcionado como um fator mobilizador.
Outras iniciativas de teor associativo e de redes têm sido relevantes para mobilizar atores locais, como o Fórum do Fundão e Águas, que promove a discussão da gestão das águas, preservação de nascentes e reivindicam serviços e estruturas de saneamento na região.
Algumas condições primárias para a viabilidade da agricultura urbana estão
relacionadas às seguintes premissas de acesso a serviços e estrutura: (1) acesso a terrenos; (2) acesso a insumos agrícolas; (3) acesso a créditos e investimentos; (4) condições de comercialização como acesso a feiras e mercados; (5) acesso à assistência técnica, cursos técnicos e de educação sobre cultivo de alimentos, e (6) gestão de riscos, como possíveis soluções para eventuais contaminações do solo, da água e da terra.
O que se tem percebido é que a oferta dessas condições envolve a ação do governo nas instâncias federal, estadual e municipal e a articulação entre agricultoras/agricultores e organizações da sociedade civil para atuar em rede oferecendo apoios mútuos, e se organizar em torno de demandas específicas.
Alguns desafios se colocam também como possibilidade de inovação no campo da gestão: a gestão do fluxo do alimento, a logística e abastecimento, a geração de novos negócios que articulem o urbano e o rural, e a gestão integrada de resíduos sólidos urbanos.