Uma pergunta cada vez mais presente nas discussões sobre como melhorar a vida dos moradores dos distritos de Jardim São Luís e Jardim Ângela é: não seria melhor se cada distrito tivesse sua própria Subprefeitura Regional? Afinal, ambos são maiores que muitas cidades do estado de São Paulo e maiores inclusive que muitas Subprefeituras Regionais atuais.
Quando olhamos a localização dos diferentes serviços públicos (saúde, educação, assistência, cartórios e similares), é possível distinguir três diferentes regiões. A primeira, mais densa em termos do número de serviços, começa no norte do Jardim São Luís e vai até um pouco depois da Estrada do M’Boi em Piraporinha, até a curva da Figueira, incluindo também partes da Vila Remo. Esta foi a primeira parte da região a ser habitada na década de 1960. A segunda, razoavelmente consolidada em termos de serviços, segue da curva da Figueira até o centro do Jardim Ângela e o hospital M’Boi Mirim, e traça uma linha horizontal (Leste-Oeste) um pouco depois da região comercial da Menininha. Por fim, a terceira vai da Menininha até os limites do município com Itapecerica e Embu Guaçu. Enquanto a diferença entre as duas primeiras áreas é menos visível em termos de distribuição de serviços, a diferença entre as duas primeiras juntas e a terceira é muito grande. Por exemplo, depois da Menininha não há uma feira livre oficial de rua; há, sim, mecanismos de distribuição de produtos frescos, mas a feira enquanto símbolo do convívio paulistano, de espaço público e de encontro de vizinhança, não.
Conclusão: enquanto o Jardim São Luís tem seus serviços relativamente bem distribuídos, o Jardim Ângela se divide em dois. Será que uma Prefeitura Regional para o Jardim Ângela resolveria esta questão?
Considerando a experiência recente das Prefeituras Regionais, introduzidas em 2002 na gestão Marta Suplicy, a resposta provavelmente seria não. As Prefeituras Regionais, em todas as gestões até o presente, se limitaram às chamadas atividades de “zeladoria” e em nenhum momento assumiram as responsabilidades de coordenação territorial definidas na Lei das Subprefeituras (Lei 13.399 de 1 de agosto de 2002 - toda a legislação municipal pode ser encontrada em legislação.prefeitura.sp.gov.br ).
Para coordenar atividades é necessário ter influência sobre o orçamento. Aqui, além do município não ter seu orçamento geral organizado regionalmente, o pouco orçamento que sobra para as Prefeituras Regionais administrarem é também focado em ações de zeladoria, que são pouco discutidas com a população. Portanto, vem a pergunta: participar em quê, e sobre o quê? Em suma, não sabemos o que é possível esperar de uma Prefeitura Regional porque, na prática, nunca tivemos Prefeituras Regionais efetivas com atribuições práticas, tanto em relação à responsabilidade e ao poder quanto em termos de um orçamento à altura do desafio.
Uma comparação, mesmo que superficial, com outras grandes cidades no mundo, nos mostra rapidamente que a situação de São Paulo é totalmente atípica. Quase todas possuem múltiplos níveis de representação e formas de organização administrativa muitas vezes autônomas, articulando bairros e sub-regiões, com separação de responsabilidades e de autoridade sobre orçamentos substantivos. No caso de M’Boi, como também de outras Prefeituras Regionais o orçamento específico para todas suas atividades, incluindo administração e projetos, oscila em torno de R$50.000.000,00. O orçamento do município é mais de mil e seiscentas vezes maior (R$82.758.515.690,00). Traduzido de maneira simples, sem orçamento e sem o poder de coordenar efetivamente e de garantir as ações orçadas, tanto faz o número de Prefeituras Regionais.
Em termos positivos, a região do M’Boi Mirim é foco de muitas ações de base e de articulação local. É uma região com Fóruns autônomos que reúnem ativistas em torno de temas considerados chave, na busca de encontrar caminhos para o desenvolvimento territorial. Estas articulações podem ser encontradas entrecruzando uma área que é parte dos distritos de Campo Limpo e de Capão Redondo, com os distritos de Jardim São Luís e de Jardim Ângela. Assim, vemos que quem precisa se organizar não é a sociedade civil, que já está articulada, mas as próprias secretarias dos governo municipal e estadual.
Para os governos é mais fácil pensar e agir em termos de demandas específicas: uma unidade de saúde, um centro de referência da assistência, uma escola de educação infantil. Mais difícil é discutir a falta de conectividade entre os serviços existentes, porque a coordenação depende das pessoas. Os sintomas são claros: não há conectividade entre as diferentes áreas de serviços públicos do município; não há conectividade entre serviços estaduais e municipais, e, às vezes, não há conectividade efetiva dentro do mesmo setor de serviço público. Como resultado, muitas das questões mais complexas em relação às vulnerabilidades sociais e materiais presentes não são atendidas. Aqui a solução passa menos pelo orçamento e mais pelas possibilidades de coordenação e pela discussão de vulnerabilidade institucional.
Sem dúvida, parte do caminho é exigir a implementação efetiva da própria lei das Prefeituras Regionais (ou subprefeituras na primeira versão da lei). A lei não é complicada - a parte operacional que trata das responsabilidades tem pouco mais de dez parágrafos e a sua leitura rapidamente demonstra a diferença entre as intenções da lei e a situação atual. Sem dúvida, também, é importante exercer pressão para que o orçamento do Município com um todo seja apresentado de maneira regionalizada, conforme a exigência da legislação do próprio município que nunca foi respeitada. É importante lembrar que todos nós pagamos impostos para a Prefeitura, direta ou indiretamente. Por exemplo, mesmo não pagando IPTU diretamente, ele já está dentro do preço do pão da padaria. Será que, por pagarmos impostos, não temos o direito de saber onde foi gasto, tanto no que se refere ao assunto quanto ao território em que foi feito?
Por esta razão, muitas organizações sociais, associações e fóruns estão trabalhando juntos na Rede Nossa São Paulo (nossasaopaulo.org.br ), buscando exercer pressão para que o orçamento seja apresentado em termos de investimentos e gastos regionais (ver também os documento produzidos pela Fundação Tide Setubal - ( fundacaotidesetubal.org.br) .
Mas, além de se juntar às diferentes articulações para melhorar cada vez mais a transparência do orçamento, há algo que cada um de nós pode fazer, sozinho ou com um grupo de amigos, como parte de uma organização local, como uma atividade escolar ou como interesse profissional: olhar a informação que já existe e levar esta informação para discussões informais e debates públicos. Aqui é necessário introduzir um pequeno comentário sobre orçamento.
Orçamento é planejamento. Ou seja, quando alguém planeja fazer algo, parte de sua tarefa é traduzir isso em custos. Há duas formas de montar um orçamento, a primeira é montar um orçamento ativo, voltado aos resultados que queremos atingir: Onde queremos chegar? O que temos de fazer para fazer isso acontecer? De onde vem o dinheiro necessário?. A segunda é um estilo de orçamento mais passivo: O que podemos fazer com aquilo que temos?. A vida é uma mescla dos dois: as possibilidades e as restrições. Quando isso acontece individualmente ou em família sabemos que podemos mudar de opinião ao longo do caminho. Mas a área pública é diferente destas pequenas democracias familiares onde ajustes são necessários e todo mundo participa de alguma maneira. Como não se trata de uma discussão em volta da mesa da cozinha, os processos são mais formais, técnicos e sem dúvida mais complexos, inclusive com leis, prazos, documentos e muitos números.
Na grande maioria dos países, o orçamento é considerado algo que, ao ser aprovado, será implementado. Este tipo de orçamento é conhecido como impositivo, ou seja, o que está no orçamento será feito a partir dos custos estabelecidos. Já o orçamento público Brasileiro (Federal, Estadual e Municipal) tem, ao contrário, a noção de orçamento como algo que autoriza despesas. Ora, autorizar despesas é muito diferente de garantir que as despesas serão efetivadas, ou seja, que o que foi planejado será feito e acontecerá. Se as despesas não são feitas, simplesmente não são feitas. Há muita similaridade com a parte passiva do orçamento doméstico, com quantidades separadas para assuntos diferentes: não se pode gastar mais, mas também não é necessário gastar. O resultado é um mundo sem planos efetivos e sem certeza que algo será feito. Este é o mundo que conhecemos nas Prefeituras Regionais e também na Prefeitura do Município de São Paulo com um todo.
É por esta e outras razões que organizações e movimentos sociais conseguiram criar, em São Paulo, a Lei do Plano de Metas. Conhecido como Programa de Metas, a lei determina que todo prefeito, eleito ou reeleito, deverá apresentar, em até noventa dias após sua posse, o Programa de Metas de sua gestão. Este Programa deve conter as ações estratégicas, indicadores e metas quantitativas para cada um dos setores da Administração Pública municipal, Prefeituras Regionais e distritos da cidade, levando em consideração as diretrizes de sua campanha eleitoral e do Plano Diretor Estratégico.
Então, o que podemos fazer individualmente ou com um grupo de amigos, uma associação ou para um trabalho de escola? Primeiro, estudar o Plano de Metas para ver o que é previsto para cada região da cidade. Há uma parte do portal da prefeitura dedicada ao plano (programademetas.prefeitura.sp.gov.br). Segundo, acompanhar os relatórios sobre o plano de metas, aprender a navegar no portal da PMSP (Prefeitura Municipal de São Paulo) e reclamar na Ouvidoria caso não encontremos alguma informação.
Mas também há algo que podemos fazer bem perto de casa. Na preparação do projeto da Lei de Orçamento Anual (LOA), que é feita pelo governo municipal e depois enviado para a Câmara, as previsões detalhadas de orçamento das Prefeituras Regionais incluem algumas das obras previstas para serem executadas. Achar estas informações não é fácil, e um dos caminhos são as tabelas do orçamento municipal que estão disponíveis na página da Secretaria Municipal da Fazenda. Infelizmente, e mesmo criando a impressão de que os dados estão arquivados também por anos anteriores, a Secretaria somente disponibiliza a previsão de gasto atual e não o que foi, de fato, realizado. Se nosso modelo de orçamento autoriza a despesa mas não exige que seja feita, precisamos saber se o planejado foi realizado. Um caminho é identificar os projetos no orçamento da Prefeitura Regional, anotar os endereços (por exemplo, melhorias no escadão na Rua Tal número 230 no Jardim Tal e Tal) e ir até os locais para ver a situação in loco/pessoalmente.
Um outro caminho seria via o Conselho Participativo Municipal (CPM) da Prefeitura Regional, que entre suas atribuições está: “monitorar, no âmbito de seu território, a execução orçamentária, a evolução dos indicadores de desempenho dos serviços públicos, a execução do Programa de Metas e outras ferramentas de controle social com base territorial”. Infelizmente, no site da Prefeitura Regional de M’Boi consta a informação de que a maioria das Atas do CPM dos últimos dois anos não foram enviadas para publicação e as poucas publicadas são basicamente formais.
Felizmente há um outro caminho: o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM). Temos a sorte de ser um dos dois únicos municípios brasileiros a ter um tribunal de contas próprio (o outro é Rio de Janeiro). O nosso fica num prédio de arquitetura moderna no corredor norte-sul à esquerda da Av. Rubem Berta, antes do complexo do Hospital do Servidor Público, para quem vai do bairro para o centro. Mas o que é um Tribunal de Contas? Ele é um órgão do Poder Judiciário?
A resposta simples é não. Nas palavras do TCM: “ Os Tribunais de Contas são órgãos independentes e autônomos, de caráter administrativo, que têm sua competência atribuída constitucionalmente para exercer o controle externo e a fiscalização das contas públicas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e dos recursos públicos administrados por pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas. Os Tribunais de Contas auxiliam os Parlamentos (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas, Câmara Distrital e Câmaras Municipais) no trabalho de fiscalizar o Executivo”. Além do Tribunal de Contas da União, há Tribunais de Contas em cada estado que além de fiscalizar as ações do Governo Estadual também fiscalizam os Governos Municipais. Em três estados, Bahia, Goiás e Pará há Tribunais responsáveis pela fiscalização das contas de todos os municípios. Em dois casos, os municípios de Rio de Janeiro e de São Paulo, há um Tribunal especificamente para o município.
O TCM de São Paulo tem um portal muito informativo (tcm.sp.gov.br) e criou uma parte específica voltado às informações de relevante interesse social – IRIS – que é encontrada na coluna do lado direito da página. A página do IRIS contém tutoriais para aqueles que querem aprofundar seu conhecimento sobre contas. O nosso caminho começa no circulo “regionalização” e depois de clicar na parte do mapa onde está a Subprefeitura de M’Boi (18) abre-se a página onde têm as informações sobre os diferentes anos (exercícios), as fases de despesa, a informação geral (órgão) e os projetos/atividades. Clicando em valores orçados e projeto/atividade vai abrir o orçamento detalhado. No ano de 2022 somente há um projeto específico listado: Reforma da Escadaria na Viela Inominada, localizada na Rua José Ferreira Dantas, No 11, Jardim Boa Vista. Nos anos anteriores há muito mais: em 2021 (10); 2020 (47); 2019 (54); 2018 (37); 2017 (22); 2016 (33); e 2015 (27).
Uma vez constatada a previsão para a despesa, ou seja, quando o orçamento autoriza o gasto, é necessário saber se o projeto foi realizado e pago. Assim, vamos clicar na caixa “valores empenhados”, que é a primeira indicação de uma atividade vai existir e vai precisar ser paga. Infelizmente nosso caminho promissor termina aqui. Dos 230 projetos planejados entre os anos de 2015 até 2021, cada um representando uma melhoria específica de base territorial na região de M’Boi, somente onze tiveram suas despesas empenhadas. O valor para os demais foi sempre o mesmo: 0%.
Não se sabe o que esta informação significa. Pode, por exemplo, significar que as diferentes obras foram feitas via recursos em outras categorias. Lembramos que o orçamento autoriza e não obriga. Porém, podemos também anotar a importância de outros aspectos de auditoria que podem ser realizadas e estão presentes nas diferentes descrições de nossos diferentes tribunais de contas: a auditoria operacional de eficiência e de efetividade das ações governamentais. Esse tipo de auditoria pode lançar luz sobre os aspectos qualitativos da execução orçamentária, levantando os principais motivos que levam a não efetivação de projetos e atividades que originalmente estão registrados no orçamento, ao mesmo tempo em que oferece recomendações de ações práticas para a Prefeitura, visando modificar este cenário.
É claro que há muitas perguntas que precisam ser feitas, inclusive sobre o papel dos Conselhos de Participação Municipal. Também é necessário reconhecer que orçamento é um assunto difícil com sua terminologia própria, tabelas e números. Sabemos que no mundo da transparência e do controle social há muito ainda a fortalecer e a melhorar no terreno das diferentes relações cotidianas de base territorial, que dão sentido às nossas noções de cidadania. Entretanto, precisamos aprender a linguagem de orçamento e precisamos insistir em levar suas práticas a sério, de maneira regionalizada e democrática.